sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O menino das balas de goma


Normalmente o ônibus TM2 passa com um intervalo de 45min, entretanto graças a lei de Murphy, sempre que você chega na parada o momento em que o ônibus do horário recém passou. Em um sábado desses não foi diferente, ou melhor, até que foi. Ganhei uma carona de uma vizinha até a parada, mas primeiro levamos minha irmã e minha sobrinha em casa, ao retornar a avenida principal, onde ficam as paradas que me interessavam, vi meu ônibus passando na pista contrária de onde eu estava, justamente a qual eu teria que ir. Respirei fundo e já me preparei para esperar os próximos 45min sentada na parada no frio. Tranquilo, era dia ainda e eu já estava preparada psicologicamente. Foi então na parada que conheci um menino muito intrigante.

Desci da carona em uma parada qualquer onde passaria meu bus e logo que cheguei um menino, de aparência normal veio direto falar comigo. Tinha mais três outras pessoas na parada, mas foi comigo que ele resolveu bater um papo. “Tia, que ônibus tu vai pegar?”, então respondi e ele mais que depressa me avisou que já tinha passado. Respondi que eu tinha visto e agradeci. Fiquei em uma extremidade do banco e ele no meio, mas com sua mochila na outra extremidade. Então ele disse: “Tia, quer comprar bala? Duas por um real”. Pensei por que não né? Gosto de balas de goma. Então comprei com uma moeda de um real dois pacotes. Ele me entregou e voltou para o seu lugar, retornando rapidamente no segundo seguinte. “Tia, pode ficar com estas outras duas, são as últimas”. Achei estranho, disse que não precisava e depois de muita insistência dele fiquei com as outras balas na condição de pagar por elas, mas para minha surpresa ele não queria aceitar o dinheiro.

Desconfiada da situação paguei e me calei. O menino seguiu no meio do banco puxando assunto comigo. “Eu vou pegar o ônibus Parque Olinda ou o Vila Rica. Já passou dois ônibus que eu não consegui ver quais eram.” Disse a ele que nos sábados estas linhas não passavam ali, porque nos finais de semana e feriados as linhas municipais se unem e mudam um pouco as rotas. Ele me disse que não, que ele já tinha pegado um daqueles ônibus naquele dia mesmo, então não quis insistir. “Eu ganhei 15 reais hoje”, disse ele. Eu sorri positivamente e disse que era muito bom. Então ele me disse que agora só precisava de mais 15 para fazer sua festa e aniversário. “Faço aniversário dia 13 junho (falávamos antes dessa data). Ganhei um bolo e uns refris e agora só preciso comprar os salgadinhos e os docinhos”. Achei muito estranho e perguntei de quem ele tinha ganhado o bolo e ele respondeu: “De uma mulher da padaria, sabe qual é? Ela me deu o bolo e os refris, mas disse que iria fazer o bolo para hoje. Quero ver se consigo o resto das coisas para fazer a festa hoje se não o bolo não vai dar”.

Fiquei intrigada com aquela história. Então o menino retoma: “Tem um monte de gente lá em casa só me esperando para começar a festa. Meus primos, amigos, minhas tias, meu pai e meu irmão só estão esperando eu comprar os salgadinhos e os docinhos, mas estão todos lá arrumados para a festa”. Nesse momento pensei que ele estaria imaginando, inventado algo que gostaria que acontecesse talvez. Perguntei sobre sua mãe, ele disse que não tinha, então comentei que já era fim de tarde, que ele tinha pouco tempo e ele disse que sabia. Pensei mais um pouco e inclusive em dar o dinheiro para ele, mas percebi que sua mochila parecia muito pesada e indaguei se ele não estava com frio, ele disse que sim e eu perguntei se não havia um casaco em sua mochila ele disse: “Tem um caso aqui sim, mas não é meu é um novo do meu irmão, mas se eu usar ele vai brigar comigo”. Fiquei quieta curiosa com a situação, pois não era só um caso que ele tinha, percebia o grande peso que havia.

“Minha festa vai ser muito legal. Tomara que esse ônibus venha logo para começarmos a festa, está todo mundo esperando”, insistia o menino. Resolvi me calar porque não estava acreditando naquela história, mas estava me comovendo. Ele contou então que brincava muito com seus primos, que eles gostavam de jogar bola e que suas tias eram muito legais. Enquanto tagarelava ao meu lado chamava a atenção das outras pessoas na parada por tamanha história. Se espremendo de frio, porém não mal vestido seguia com sua ideia do que faria ao pegar o bolo e ao chegar em casa. Pensei que ele poderia estar falando a verdade, mas por que ele estaria fazendo tudo àquilo com tanta gente esperado por ele? E se seu aniversário nem era naquele dia, por que tinha que fazer naquele momento? Eu pensava tudo isso e ele falava empolgado sem parar, me fazendo perceber que era humilde, estudado e educado, o que me deixava mais pensativa ainda.

Vários ônibus se aproximavam e ele levantou do banco, me agradeceu e deu tchau, dizendo que pegaria qualquer um. Os ônibus chegaram na parada, arrancaram e o menino não subiu em nenhum alegando que esperaria o próximo. Cogitou ainda pegar um ônibus no sentido contrário para chegar até o centro e pegar outro de volta, sugeri que não, pois assim gastaria mais passagem. Novamente sentado ele falou de novo no dinheiro que faltava. Pensei que ele estava me fazendo pressão psicológica para que eu desse os 15 reais que faltavam. Fiquei quieta e em seguida perguntei se ele estudava e ele respondeu que sim acrescentando qual era a escola. Mais dois ônibus e o menino não partiu. Nesses 20min de conversa surge no meio da avenida um TM2 adiantado ou atrasado, sei eu, mas eis que surge meu bus. “O menino logo vê e grita tia, esse é o teu”. Dei tchau para ele e desejei boa festa. Ele agradeceu educadamente e com sua mochila pesada, ranhento e com as moedas que paguei as balas na mão e sei lá mais o quê, ficou na parada. Subi no ônibus e fui embora. O que sei dele? Sei que no dia 13 de junho ele fez 13 anos.